Panos vermelhos que cobrem as peles escuras na diagonal. Uma faca e um cajado presos por um elástico branco ou cinto castanho de couro e muitos acessórios coloridos que chocalham. Cada ornamento demonstra o seu estatuto e feitos, sendo uma mensagem subtil e silenciosa da sua história. Assim se vestem os homens da tribo Maasai, de milenares tradições e forte cultura. Já as mulheres envergam frequentemente roxo com detalhes brancos.
Neste post, partilho o que aprendi com o fascinante povo Maasai durante a minha viagem à Tanzânia e a Zanzibar. Se ainda não os conheces, esta é a oportunidade perfeita para o fazeres! Continua a ler para saberes mais.
Vamos à descoberta pela Tanzânia?
![]() |
Aldeia Maasai em Mikumi National Park - Tanzânia |
De natureza semi-nómada, este grupo étnico africano vive no Quénia e na Tanzânia, mas move-se quando os alimentos se esgotam ou o solo já não providencia o suficiente. Tal como antigamente, possuem gado, que é a sua maior riqueza. São principalmente vacas, cabras e galinhas, das quais obtêm leite e ovos. Bebem o primeiro e o segundo vendem a hotéis e populações das redondezas. Surpreendentemente? Queijo desconhecem. Na verdade, cheese significa "maluco" ou "louco" na língua Maasai. Facto que só descobri após uma longa conversa noturna à volta de uma fogueira que envolveu:
- Uma tanzaniana originária de Arusha (responsável pelo alojamento em Mikumi, onde estava a dormir) e um tanzaniano de Dar es Salaam;
- Dois noruegueses;
- Um Zanzibari;
- E claro, um Maasai.
![]() |
Curral de cabras em aldeia Maasai |
A medicina é também tradicional e os métodos incluem sempre os ingredientes oferecidos pela Mãe Natureza, por vezes tão singelos quanto um pedaço de casca de árvore fervido para tratar dores de estômago. As casas circulares são também do mais simples possível: palha misturada com fezes de vaca e barro para formar as paredes e tetos em forma de cone, que bastam para os proteger da chuva e outras intempéries. Para dormir, a cama acolhe dois, três, quatro, o número que for necessário para abrigar toda a família. E esta consiste em peles de animais curtidas, sobre um estrado de madeira.
![]() |
Enkaji - Casa circular tradicional Maasai |
![]() |
Dois homens Maasai a mostrarem como atear fogo com um tipo específico de madeira |
![]() |
Maasai a preparar um remédio para as dores de estômago |
A iguaria especial que não pode faltar numa cerimónia Maasai verdadeiramente típica é o sangue de vaca. Exatamente. Repleto de nutrientes, a tribo ingere este líquido viscoso escarlate com orgulho, simbolizando coragem e vitalidade. Por isso é que a cor da tribo e das suas vestes (shuka) é também o vermelho: ligado ao sangue, ao gado, à força dos guerreiros, à unidade, à proteção contra o perigo. Em suma, o vermelho equivale a identidade, que se destaca na paisagem africana.
Os rituais sagrados: circuncisão, casamento e morte
Existem três momentos de relevo na vida de um Maasai: a circuncisão, o casamento e a morte. O primeiro é o mais tenebroso e chocante para o comum ocidental branco. A realização da circuncisão marca a transição da infância para a vida adulta e por volta dos 15 anos, os rapazes devem submeter-se a este ritual com coragem. Ocorre no centro do curral onde habitualmente guardam os animais. O jovem é preparado perante toda a aldeia, que assiste ao evento sem qualquer pudor, e guiado pela voz do Ancião deve suportar o corte sem tremores ou qualquer outra demonstração de dor e emoção. Normalmente os rituais sagrados são conduzidos por aqueles que carregam mais anos e sabedoria às costas. O instrumento de corte é uma lâmina e o procedimento é feito a sangue frio e sem anestesia. E assim, o então jovem, agora adulto, deve retirar-se para a floresta durante dois meses, para se curar e recuperar. Diz-se que o valente se faz e o cobarde nasce, e aqui certamente se demonstra! Porém, não os tomemos como bárbaros... O rapaz faz-se acompanhar por outros Maasai mais velhos e experientes, que o ajudarão a obter as competências necessárias para sobreviver e vingar num território tão hostil. Não nos esqueçamos que literalmente leões, leopardos, búfalos e hipopótamos habitam os espaços circundantes, sendo os vizinhos diretos da tribo. Deste modo, o jovem aprenderá técnicas de caça, defesa e alimentação, bem como outros métodos de sobrevivência durante este tempo. Tornar-se-á um guerreiro apto a liderar: um Moran.
![]() |
Aldeia Maasai em Mikumi National Park - Tanzânia |
Relativamente ao 2º evento importante, os Maasai seguem a poligamia. Cada homem pode deter quantas mulheres quiser, desde que tenha vacas suficientes para o dote de cada uma. Consequentemente, quanto mais elevado o número de esposas, maior o sinal da sua riqueza, uma vez que o gado indica o status social na cultura Maasai. As raparigas podem casar-se a partir dos 18 anos, idade em que abandonam os estudos. O sinal para indicar que estão prontas é o rapar do cabelo. Por vezes, sucede que uma rapariga tenha o cabelo rapado, esteja pronta para casar, mas como ainda não arranjou noivo, prossegue os estudos para a universidade.
A mulher deve cuidar do lar e filhos, construir as casas, buscar água e lenha e trabalhar com o artesanato. O casamento é celebrado com música, dança e sacrifício de gado, sendo um momento em que várias aldeias se reúnem. A dança tradicional Adumu, também conhecida como "dança do salto", ocorre como uma demonstração de bravura e aptidão para o casamento e é também feita noutras cerimónias religiosas. Os homens Maasai posicionam-se em círculo e acompanhado por cânticos rítmicos entoados pelo grupo, um saltador dirige-se ao centro e salta o mais alto que consegue, com o corpo ereto e pés juntos. O notável canto é formado apenas com as vozes dos guerreiros em polifonia, culminando numa melodia colaborativa complexa e rica .
![]() |
Maasai durante uma demonstração do canto tradicional |
A morte é percecionada como natural e necessária. De facto, chorar ou grandes demonstrações de tristeza são desencorajadas. Surge como uma transição para uma nova forma de existência, na qual o defunto se torna num espírito ancestral que continua a guiar os vivos. Os Maasai não são enterrados mas sim entregues à floresta para que animais como hienas e abutres possam desfazer os restos mortais. Consideram este o modo mais puro e autêntico de respeitar o ciclo da vida. Exceção é feita aos líderes da comunidade ou anciões de grande importância, que são enterrados como um sinal de respeito ao seu legado.
Rumo a novos horizontes: o turismo como oportunidade para os Maasai
Em adição ao pastoreio de gado, vendem os seus produtos a hotéis e comunidades vizinhas. Com a abertura da Tanzânia ao turismo, criam artesanato, especialmente de missangas coloridas, que depois vendem a turistas que visitam a sua aldeia, em tours habitualmente integrados em safaris. Alguns trabalham como seguranças (pelo seu físico impressionante), guias turísticos ou em hotéis. Outros decidem ir mais longe, viajando na época alta (dry season) de barco até Zanzibar. Lá, fixam-se em Nungwi, Kendwa, Paje ou Jambiani e montam minúsculas "lojas" na praia. Frequentemente são constituídas por uma pequena mesa de madeira com um pano vermelho por cima. Montam-nas de manhã e com a chegada da noite, retiram-nas do areal. Alguns simplesmente caminham sob o sol, oferecendo aos turistas os seus serviços de guia e partilhando aspetos da sua cultura, que tanto desperta a curiosidade dos visitantes. No final da época, regressam às suas aldeias para cuidar do gado e rever as famílias. Parece bizarro como é que alguém pode voltar a viver em condições tão simples, após ter contacto com turistas originários das mais diversas partes do mundo, com a tecnologia e com os desenvolvimentos subsequentes. Contudo, é real. Acontece, quer acreditemos ou não. Conversei com uma menina da tribo que vivia no dormitório da universidade durante o período letivo e retornava a casa nas férias. E ela contou-me que gostava de viver na aldeia, apesar do acesso a instalações mais avançadas e do contacto com o exterior durante aqueles meses do ano. A tradição e cultura estão de tal modo enraizados, que a maioria até pode partir mas acaba por regressar à aldeia.
![]() |
Sekuno - Maasai estudante universitária |
Contudo, estes "Maasai da praia" comportam-se de maneira deveras particular. O sentido de convivência em sociedade funciona de forma diversa para a tribo. Não parece haver qualquer tipo de timidez, recato ou noção relativamente à abordagem de um desconhecido. Mas mais, iniciam conversa constantemente com qualquer transeunte, mesmo que este se encontre deitado na toalha a ler um livro ou a descansar.
A resiliência de um povo: equilíbrio entre passado e futuro
Esta migração dos Maasai para locais como Zanzibar pode ser considerada como uma exploração da sua identidade pelo turismo, levantando questões sobre o equilíbrio entre a preservação do património cultural e a comercialização da identidade para a sobrevivência. Será que o turismo em locais como Zanzibar é uma oportunidade genuína para os Maasai ou uma forma de exploração da sua cultura? E de que forma é que nós, como turistas, podemos apoiar estas comunidades de uma forma mais ética e justa? No entanto, é inegável que com a vida moderna surgem novos desafios para os Maasai, como as alterações climáticas e a escassez de recursos, que ameaçam o seu modo de vida tradicional assente no pastoreio. Consequentemente, muitos recorrem às atividades turísticas como nova oportunidade de resistir à pressão económica e à necessidade de adaptação.
Os Maasai são o testemunho de que a tradição não necessita ser um fardo mas pode ser a força motriz para a construção de um futuro próspero. Mantêm a sua identidade cultural enquanto se adaptam a um mundo em mudança. Lentamente vão evoluindo, com mais mulheres Maasai a irem à universidade e a investirem na educação. A mutilação genital feminina (MGF) também caiu em desuso, melhorando a saúde e segurança das mulheres da comunidade. A tecnologia e os novos empregos tornam-se parte do quotidiano para muitos, porém a cultura não só não é esquecida, como é exaltada. Basta conversar rapidamente com um membro da tribo para compreender o orgulho que carregam na sua pertença. Assim, a jornada do povo Maasai mostra que as descrições dos livros de história não são vestígios do passado. Reinventaram-se para garantir o futuro mas sem perder a vitalidade da sua identidade e cultura.
Este post teve um cariz bastante diferente relativamente ao conteúdo que normalmente trago para o blog. Espero que tenhas gostado e aprendido algo sobre esta tribo africana tão interessante. Tens alguma dúvida ou curiosidade acerca dos Maasai? Conta-me tudo nos comentários!
Nota: Devo realçar que visitei de forma bastante reticente uma aldeia Maasai em Mikumi National Park. Esperava que fosse uma armadilha para turistas, com a comercialização de elementos em desuso da sua cultura e forçar a oferecer gorjetas. Porém, estava enganada. Conversei com vários elementos da aldeia, especialmente uma menina da minha idade, estudante universitária. Ali, eu e ela, duas raparigas de dois continentes e países completamente diferentes, partilhámos a nossa realidade e percebi o quão diferentes mas tão similares somos. Acreditem ou não, mas estudamos o mesmo! Mostraram-me o espaço, as suas tradições e modo de vida, sem grandes alaridos. Claro que tinham algum artesanato à venda, mas em momento algum me senti pressionada a comprar. No geral, senti que observei algo genuíno e muito aproximado do quotidiano do povo Maasai.
Segue o Pinterest do blog aqui.